Pergunta – Qual produtividade o poder visa com as prisões?
M. Foucault – É uma longa história. O sistema da prisão, quero dizer, a prisão repressiva, a prisão como castigo, foi estabelecido tardiamente, praticamente no fim do século XVIII, a prisão não era uma punição legal; se aprisionava as pessoas simplesmente para retê-las antes de processá-las, e não para puni-las, salvo casos excepcionais. Bem, se criam as prisões, como sistema de repressão, afirmando-se o seguinte, a prisão vai ser um sistema de reeducação dos criminosos. Após uma estadia na prisão, graças a uma domesticação de tipo militar e escolar, vamos poder transformar o delinquente em um indivíduo obediente às leis. Buscava-se portanto uma produção de indivíduos obedientes com sua passagem na prisão.
Ora, de imediato desde os primeiros tempos do sistema das prisões percebeu-se que ela não conduzia absolutamente a este resultado, mas que dava, na verdade, exatamente o resultado oposto: tanto mais tempo tinha passado em prisão, menos ele era reeducado e mais ele era delinquente. Não somente produtividade numa, mas produtividade negativa. Por consequência o sistema das prisões deveria normalmente ter desaparecido. Ora, ele permaneceu e continua e quando perguntamos às pessoas o que poderíamos colocar no lugar das prisões ninguém responde.
Por que as prisões permaneceram, apesar desta contraprodutividade? Eu diria: mais precisamente porque de fato ela produz delinquentes e a delinquência tem uma certa utilidade político-econômica nas sociedades que conhecemos. A utilidade político-econômica da delinquência podemos revelá-la facilmente primeiramente quanto mais houver delinquência mais crimes haverá, quanto mais crime houver, mais haverá medo na população e quanto mais medo na população mais aceitável e mesmo desejável se tornará o sistema de controle policial. A existência desse pequeno perigo interno permanente é uma das condições de aceitabilidade desse sistema de controle, o que explica por que nos jornais, na mídia, na TV, em todos os países do mundo sem nenhuma exceção, se conceda tanto espaço a criminalidade como se a cada novo dia s tratasse de uma novidade. Desde 1830 m todos os países do mundo se desenvolveram campanhas sobre o tema do crescimento da delinquência, fato que nunca foi provado, mas foi suposta sua presença, esta ameaça, esse crescimento da delinquência é um fator de aceitação dos controles.
Mas isso não é tudo, a delinquência é útil economicamente; vejam a quantidade de tráficos perfeitamente lucrativos e inscritos no lucro capitalista que passam pela delinquência: a prostituição, todos sabem que o controle da prostituição em todos os países da Europa (não sei se isso se passa também no Brasil), é feito por pessoas que tem o nome profissional de proxenetismo e que são todos os ex-delinquentes que tem por função canalizar os lucros obtidos pelo prazer sexual para os circuitos econômicos tais quais a hotelaria, e para contas de bancos. A prostituição permitiu tornar oneroso os prazeres sexuais da população e o seu enquadramento permitiu derivar para determinados circuitos o lucro sobre o prazer sexual. O tráfico de armas, o tráfico de drogas, em soma toda uma série de tráficos que por uma razão ou por outra, não podem ser diretamente e legalmente efetuadas na sociedade passam pela delinquência, que dessa forma lhes assegura.
Se acrescentamos a isso o fato de que a delinquência serve massivamente no século XIX e ainda no século XX há toda uma série de operações políticas, tais quais furar greve, se infiltrar nos sindicatos operários, servir de mão de obra e de guarda costas para os chefes de partidos políticos mesmo os mais ou menos dignos. Aqui estou falando mais precisamente da França, onde todos os partidos políticos tem uma mão de obra que vai desde os coladores de cartazes até os porradeiros, mão de obra esta constituída por delinquentes. Assim temos toda uma série de instituições econômicas e políticas que funcionam na base da delinquência e nesta medida a prisão que fabrica um delinquente profissional, tem uma utilidade, uma produtividade
As malhas do poder (palestra na faculdade de filosofia da UFBA em 1976)
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II. Paris: éditions Quarto Gallimard, 2001. páginas 1014-1015